A polémica estalou na
sexta-feira, altura em que foi divulgada a lista do Benfica para a Liga dos
Campeões. Num raro vislumbre de objectividade jornalística, vários diários desportivos
romperam por instantes a tradição de nunca escreverem nada que belisque a reputação
do Benfica ao informarem que o clube encarnado tem apenas três jogadores da
formação no plantel. A notícia caiu que nem uma bomba junto dos adeptos do
clube, que até aqui julgavam que Jovic, Zivkovic, Kalaica e Benitez também o
eram, por nunca os terem visto a jogar.
Joaquim Fosquinhas, jornalista
do Record com a pasta das manchetes das
‘vendas milionárias do SLB que
jamais serão realidade’, fez uma pausa na elaboração de babosas declarações
de amor ao Benfica no Facebook para confessar ao “Esférico” as dificuldades inerentes
a este artigo. “Tudo começou por ser um dia perfeitamente normal. Acordei ao
som do ‘Sou Benfica’, fiz uma oração por São Vítor Pereira e vesti com perverso
prazer as minhas cuecas edição especial Caniggia. Assim que me meti no
autocarro, depois de já ter tragado um whiskyzito em memória do King, comecei
logo a redigir na minha mente uma mentira qualquer sobre o Bruno de Carvalho, e
ia já todo contente a pensar nos bilhetinhos grátis para a bancada Emirates
quando o director me chama ao gabinete dele. Percebi logo que era grave, porque
estava a chorar compulsivamente sobre o retrato orelhudo do Luís Filipe
Vieira…”
Algumas obras emblemáticas de Joaquim Fosquinhas |
Foi então, segundo
Fosquinhas, que António Magalhães lhe deu uma ordem que mudou a sua vida para
sempre. “Olhe, disse-me que tinha mesmo que escrever sobre isto, senão o Jesus revelava
tudo na próxima conferência de imprensa e obrigava os adeptos do Benfica a
contar até três sem o filtro encarnado do Record. Não tivemos escolha.”
Logo após a publicação da notícia
– conta ainda, emocionado, o repórter – os estafetas que traziam os bilhetes de
jogo deixaram de aparecer. “Sinto que cometi um crime lesa-majestade e que agora
sou um vilão de uma intriga do João Gabriel”, desabafou, flagelando-se
múltiplas vezes nas costas. Embora não fosse totalmente claro – pois Fosquinhas
sufocava num mar de baba –, é provável que estivesse a referir-se ao Acordo
Ortográfico Cosme Damião, que impede, sob ameaça de despedimento, a publicação de
palavras grisalhas sobre o clube encarnado. “Até aqui consegui enganar-me a mim
próprio, acreditando que sou um jornalista a sério. Mas a partir de agora, quem
é que vai acreditar nos meus louvores à ‘estrutura’ e ao ‘toque de Midas’, se for
obrigado a escrever factos verídicos sobre o glorioso?”, lamentou-se,
profetizando um futuro de intensa mágoa antes de se despedir. “Agora, se me
permitem, vou ali imolar-me aos pés da estátua do Eusébio com os meus outros
colegas que foram também barbaramente forçados a replicar esta notícia.”
Porém, o director para os
assuntos matreiros do Benfica, João Metralha, apresenta uma versão completamente
diferente do assunto. E aponta para um critério próprio na identificação de
jogadores da formação.
Sentado no seu cadeirão
feito das almas amarfanhadas de jornalistas, falou em exclusivo para “O
Esférico” sobre esta matéria. “Essa notícia é completamente falsa! É uma ofensa
à memória do Eusébio! E quem escreveu isso não gosta de pessoas negras nem de
criancinhas inocentes e vai ser processado – e isto não é de modo nenhum uma
forma de coagir jornalistas e opinadores! Escute lá, você gosta de teatro…? Não
quer um camarote para o musical do Benfica, não…?”, começou por insinuar, ameaçar
e aliciar o ardiloso dirigente.
“Bem, mas vejamos lá isso.
Nós, só neste plantel, temos uns 20 jogadores formados no Benfica! Não
acredita? É o Dubai que o garante! E eles têm critérios mais fiáveis do que a
FIFA, com base no livro de cheques do Jorge Mendes. Mas olhe,” interrompeu, “tem
a certeza que não quer um destes docinhos colombianos…? Ou um relógiozito da
Fundação Benfica?”
Todavia, perante a
insistência do nosso enviado especial, Metralha lá acabou por esmiuçar os
critérios da formação encarnada. “Pronto, eu explico, não fuja… Sabe, nós temos
um sistema de formação universalista, ou seja, assente no capricho onírico do
nosso grande e orelhudo líder. Para nós, qualquer pessoa que beba cerveja em
canecas oficiais do Benfica é da formação do Benfica. Temos uns 2 milhões de
homens, mulheres e homúnculos prontos a darem o seu contributo…assim que a UEFA
alterar as suas injustas regras que não tiveram o consentimento do nosso Pinóquio-Supremo.
Tanto inscrevemos aqueles três na Champions, como poderíamos ter inscrito o
filho da dona Rosa das rulotes, que desde catraio bebe Sagres nas nossas
canecas e sonha de noite que faz cabritos ao Eliseu nos verdes campos do
Seixal. Ou até o Rafa, que já no berço era amamentado com uma espécie de
benfiquismo latente que se manifesta 20 anos mais tarde conforme as conveniências.
E você, não quer ser também da nossa formação? Veja lá… Tenho aqui uma
canequinha…”
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